domingo, 25 de agosto de 2013

Os 12 Macacos

Questões sobre a urgência.

“Em 1997, 5 bilhões de pessoas morrerão de um vírus (...) os
sobreviventes abandonarão a superfície do planeta (...) os animais voltarão a dominar o mundo" — assim começa um filme que nunca atingiu seu valor crítico. Designá-lo como cult é mais sintomático que descritivo. É duvidoso se nossa sina é mais atermo-nos ao roteiro que ao tema de um filme. Porém, neste caso, é de dúvida em dúvida que o roteiro se enriquece. É mui sabido que a dúvida metódica cartesiana inaugura a modernidade e, com ela, a antropocentrismo moral. Mas as questões levantadas por Os 12 Macacos é mais problemática que metódica: de indagação em indagação este filme nos revela que a historia moderna chegou ao acabamento da radicalização da dúvida. A antiga ontologia que angustiara com seu “ser ou não ser, eis a questão” chegou a traduzir-se em “homem ou animal, natureza ou cultura, eis nós mesmos em questão”. Neste sentido, somente podemos tecer uma crítica positiva a este filme através de uma seqüência cronológica de dúvidas, animadas por protagonistas igualmente nebulosos. O filme trata de viagem no tempo e coloca o espectador na dúvida narrativa. E uma vez que já inventamos a narrativa problemática, precisamos aqui expor o abismo em que nossa dúvida se angustia ou se esquece do que precisaria respeitar. O protagonista estaria na loucura ou na realidade? E não esquecemos que todo louco tem razão e que, inversamente, nossa razão racionalista e moderna 
nos trouxe a loucura antropocêntrica. Esta parece ser a pergunta do filme, o seu problema.




Mas a obra está a responder outro problema, efetivo problema prático, real e presente: o ambientalismo é terrorismo? Esta observação parecerá estranha ao leitor amante de romances. Mesmo os adoradores de drama poderão ter dificuldade para compreender. Os comediantes que me acompanhem. Mas estou exigindo um leitor que ame o gênero trágico. Édipo se repete neste filme, mas este edípico é aqui mais socialista que freudiano, castrado por um mundo sem salvador. Vamos colocar o problema do filme de duas maneiras. Por um lado, assistiremos a impressão, lidaremos com a aparência de uma ficção científica, colorida pela brilhante atuação de Bruce Willis, e neste caso a pergunta é “qual é a realidade, viajante do tempo ou esquizofrenia?”. E, quanto a este primeiro aspecto, a ficção está em nossa própria dificuldade duvidosa para o real do problema. Por outro lado, temos outra pergunta, “qual é a realidade, somos viajantes do tempo ou vivemos mútua esquizofrenia?”. E o sintoma neste caso é a experiência do humano cansado de ser em si. Sim, as duas perguntas são iguais, salvo o sujeito, e esta diferença é o primeiro problema, aquele que o drama do roteirista permite compreender. Mas as dúvidas rodadas no filme admitem um segundo lado na historia: a democracia termina no seu fracasso ambiental? O liberalismo econômico é capaz de solucionar o problema ambiental iniciado pela democracia? Ou o liberalismo econômico nos tornaria socialmente esquizofrênicos para com nosso tempo? É fácil sentir o cheiro pesado deste ar: a questão não mais se coloca nem se responde entre natureza e sociedade. Afinal, o dinheiro hoje compra felicidade na mesma medida em que mesmo o pobre sente ter o poder de comprar quase tudo. Vamos recolocar a questão mais uma vez: a essência da democracia está na participação política de cada um. Isto somente é possível através do voto. Ou: a essência da democracia está na participação econômica de cada um e isto só é possível através da demanda e do poder de compra. Como democratas, precisamos votar sobre nossos problemas ambientais e sustentáveis. Mas isto é impossível? Os 12 Macacos afirma: de um lado a demanda de jovens socialmente engajados com o respeito aos animais; de outro lado, a ciência economicamente motivada lucrando em produzir e curar vírus. Mas ambos os caminhos, apesar de opostos, possuem o mesmo sentido: dizem “não” ao valor unilateral do homem. O alcance dos problemas ambientais é internacional e, portanto, o povo jamais poderá participar política e intelectualmente de tais soluções. Por isso, nossa situação presente, o peso de nosso futuro, se divide em três soluções: fundar a democracia no liberalismo econômico e não político, dando ao livre valor comercial o poder de adaptar o interesse sustentável de cada um; ou substituir a democracia pelo socialismo, o que só é possível absolvendo tanto o capitalismo quanto o naturalismo no interior do neo-marxismo; ou, enfim, reconhecer que o poder sobre o destino é aristocrático, exigência de mudança de regime político, o que implica o risco de terrorismo ou mais um tipo de totalitarismo.
Assim, a pergunta é esta: do que Terry Gilliam está tratando em Os 12 Macacos? Jovens ambientalistas, guiados por um louco, inspirados pela sabotagem, ou de uma ciência racionalista, tão louca quanto apesar de fria. De um grupo de jovens ambientalistas surge a ambigüidade entre ecotagem e ecoterrorismo. O filme parece “chamar” a ecotagem de ingênua e o ecoterrorismo de radical. Porém, Terry Gilliam também indica que os meios mais catastróficos para o exercício do ecoterrorismo sempre se origina na empresa privada. Hobbes diria que o povo nasce de uma segunda natureza: mas o político atual é mais povo do que nunca e o empresário atual sente-se fora da população geográfica. Obviamente que não estamos falando de produção de gado em massa, nem de computadores e celulares, mas de armas químicas que, apesar de matarem muitos, também a muitos podem enriquecer com o surgimento de curas, verdadeiros milagres da ciência bem patrocinada. E nada disto diz respeito à intenção ou má vontade: estamos no tempo da liberdade dos interesses, na livre movimentação das demandas. O que fazer? – a questão do filme se relevou intrínseca, pois o único valor intrínseco é a urgência temporal da ação. Mesmo a vida é inerente à urgência – salve os médicos. Não há democracia sustentável nem voto e representação direta ambiental, nem há garantias para mais uma tentativa socialista, e a ecotagem somente assume “entre os males, o menos pior”. Estamos de fato aquém de bem e mal, seja para o liberalismo econômico, para a democracia internacional, para o socialismo ambiental ou para o radicalismo. Quem vale mais – o homem ou o macaco? O futuro é questão de evolução, revolução, progresso ou destruição. Acaso consideremos todas as perspectivas, o roteiro do filme assemelha-se a nossa realidade: não jogos de linguagem, mas efetivos jogos de risco. A questão é se há responsabilidade nos riscos.


Fernando Mauricio Senna

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O homem e seu pensamento

        Auguste Rodin, L´Homme et sa pensée c.1900


“A representação de um homem que se ajoelha e, com o toque de sua testa, desperta na rocha diante de si a suave forma de uma mulher, que permanece ligada à pedra. Se quisermos interpretar isso, podemos nos satisfazer com a expressão dessa inseparabilidade do pensamento apegado à testa de um homem: pois sempre são seus pensamentos que vivem e se erguem à sua frente; atrás disso há pedra. Relacionada a isso está também a cabeça que pensativa se dissolve até o queixo em uma grande pedra. La pensée, esse pedaço de claridade, ser e face que se erguem devagar do pesado sono da surda permanência”.

Rainer Maria Rilke, Rodin, 1902


Auguste Rodin, L´Homme et sa pensée c.1900
                                                          


A cabeça do homem se firma sobre o peito juvenil de um ventre feminino. Suas mãos e seu corpo estão presos na terra. Um rosto lhe escapa do cenho e, ao mesmo tempo, acolhe toda sua introspecção. A virilidade do pensamento se concentra na terra, enquanto uma perna lhe toca suavemente o tronco e acende a chama de seus sonhos mais íntimos. Quem me chama? De sua testa uma força se suspende, como se um vento lhe atravessasse a nuca para varrer os leves braços de suas ilusões. Os braços viram pedra. O homem se segura na pedra e por pouco não é varrido também pelo que sempre por si atravessa e se esvai. O pensamento humano está na unidade de uma silenciosa luta que a obra recolhe. O homem não pode abraçar o corpo que está além de seu corpo, embora diante dele se prostre, para não perdê-lo, e contraia assim todos os seus músculos, para não se perder: como me chegou o que a mim me leva? E num instante tudo volta a ser pedra. Como da pedra que pesa o tempo de cada ato, a vida esculpe no pensamento o que lhe é sempre desconhecido e o pensamento recebe da vida a potência além do instante.

Jason de Lima e Silva