segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Amigo






Amigo. Esperas meu abraço amigo? Esperas algum louvor para teus feitos? Mas que feitos! Alguém bate à porta. Não há ninguém. E procuras ainda uma multidão de gente. Quem pode acolher tua mais íntima e valorosa estranheza? Guarda-a contigo a sete chaves! Muito vale o ouro porque se esconde no seio da rocha. E é preciso esculpi-la sempre e sempre para encontrar teu ouro. Ainda assim, talvez ele seja apenas uma pedra tosca no ruído do grande vazio dos ouvidos e dos corações alheios. Afinal, é tanta aparição de coisas que já viramos fantasmas. Amigo, eu sei, esperas ao menos um amigo para te sentires menos pobre neste mundo. E quem sabe, nobre o bastante para nada temer.

                                                                                                                         Jason de Lima e Silva

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Palavras




Palavras ditas para perdê-las. Palavras que caem dos bolsos e que chutamos por diversão. Palavras cuspidas em ouvidos ocupados. Palavras que esbarram em paredes e morrem de tédio. Palavras como fetos mortos na multidão. Palavras prontas para engordarmos. Palavras de duplas bocas como latas abertas repicadas por línguas agitadas. Palavras não lavradas pelo tempo. Palavras doentes de nada dizer para de todos falar. Palavras indigentes de silêncio. Palavras e mais palavras. Pobres palavras.


  Jason de Lima e Silva







terça-feira, 8 de outubro de 2013

Uma hora a menos




Uma hora a menos e meu silêncio é sagrado. É preciso cultivar a dor para um aceno vir do mar e levar ao vento tuas forças quase perdidas. Antes de anoitecer e as vagas subirem, estarás à maré sem compreender a névoa donde chegaste. Teus pés estão duros de frio, a terra ainda é fria, mas as mãos fazem fogo de tanto esfregá-las. A noite cai e as labaredas iluminam à tua volta: há anjos que se aproximam e perguntam o que sentes vivo. Não há como dizer, dizes, é preciso esfregar as mãos e sentir o fogo esquentar: por sorte, tenho o fogo. Os anjos riem e dizem haver muito perigo e amor no fogo. Tu não compreendes a língua dos anjos, mas não quer espantá-los e apenas sorri. Há pouco, vejam, meus pés estavam tão frios que eu mal os sentia, não sei de onde vim e nem para onde vou, sinto fome. Um vulto se aproxima e fala com a gravidade de tua voz, mais alto que o estalo do fogo: que sentido há nisso tudo! Os anjos sorriem mais uma vez, olham-se como sombras e desaparecem junto à chama que aos poucos se apaga. Adiante no céu negro desponta um planeta. É preciso andar, vencer o frio, saber-se humano. Nada além de humano.

Jason de Lima e Silva

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Conselhos do Tempo



Repousa teus olhos tristes sobre mim
e faça-me o coração de tua promessa
embora pareça longo o caminho da vida
Não abomines tuas insônias d’ Outrora
nem insista em te conheceres profundamente
quando profundo é teu próprio destino
  
Retorne à sombra de teu mais santo Cansaço
sem perder-te na névoa dos dias futuros
onde lá dormem tuas dores terrenas
E na sensatez de tua solitária Morada
aproveite o que na respiração da matéria
faz o viver de teu espírito
neste jardim onde entre mortos e vivos
Tu
singularíssima alma
move a errância da humanidade

Jason de Lima e Silva