terça-feira, 8 de outubro de 2013

Uma hora a menos




Uma hora a menos e meu silêncio é sagrado. É preciso cultivar a dor para um aceno vir do mar e levar ao vento tuas forças quase perdidas. Antes de anoitecer e as vagas subirem, estarás à maré sem compreender a névoa donde chegaste. Teus pés estão duros de frio, a terra ainda é fria, mas as mãos fazem fogo de tanto esfregá-las. A noite cai e as labaredas iluminam à tua volta: há anjos que se aproximam e perguntam o que sentes vivo. Não há como dizer, dizes, é preciso esfregar as mãos e sentir o fogo esquentar: por sorte, tenho o fogo. Os anjos riem e dizem haver muito perigo e amor no fogo. Tu não compreendes a língua dos anjos, mas não quer espantá-los e apenas sorri. Há pouco, vejam, meus pés estavam tão frios que eu mal os sentia, não sei de onde vim e nem para onde vou, sinto fome. Um vulto se aproxima e fala com a gravidade de tua voz, mais alto que o estalo do fogo: que sentido há nisso tudo! Os anjos sorriem mais uma vez, olham-se como sombras e desaparecem junto à chama que aos poucos se apaga. Adiante no céu negro desponta um planeta. É preciso andar, vencer o frio, saber-se humano. Nada além de humano.

Jason de Lima e Silva

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