Questões sobre a
urgência.
sobreviventes abandonarão a superfície do planeta (...) os animais voltarão a dominar o mundo" — assim começa um filme que nunca atingiu seu valor crítico. Designá-lo como cult é mais sintomático que descritivo. É duvidoso se nossa sina é mais atermo-nos ao roteiro que ao tema de um filme. Porém, neste caso, é de dúvida em dúvida que o roteiro se enriquece. É mui sabido que a dúvida metódica cartesiana inaugura a modernidade e, com ela, a antropocentrismo moral. Mas as questões levantadas por Os 12 Macacos é mais problemática que metódica: de indagação em indagação este filme nos revela que a historia moderna chegou ao acabamento da radicalização da dúvida. A antiga ontologia que angustiara com seu “ser ou não ser, eis a questão” chegou a traduzir-se em “homem ou animal, natureza ou cultura, eis nós mesmos em questão”. Neste sentido, somente podemos tecer uma crítica positiva a este filme através de uma seqüência cronológica de dúvidas, animadas por protagonistas igualmente nebulosos. O filme trata de viagem no tempo e coloca o espectador na dúvida narrativa. E uma vez que já inventamos a narrativa problemática, precisamos aqui expor o abismo em que nossa dúvida se angustia ou se esquece do que precisaria respeitar. O protagonista estaria na loucura ou na realidade? E não esquecemos que todo louco tem razão e que, inversamente, nossa razão racionalista e moderna nos trouxe a loucura antropocêntrica. Esta parece ser a pergunta do filme, o seu problema.
Mas a obra está a responder outro
problema, efetivo problema prático, real e presente: o ambientalismo é
terrorismo? Esta observação parecerá estranha ao leitor amante de romances.
Mesmo os adoradores de drama poderão ter dificuldade para compreender. Os
comediantes que me acompanhem. Mas estou exigindo um leitor que ame o gênero
trágico. Édipo se repete neste filme, mas este edípico é aqui mais socialista
que freudiano, castrado por um mundo sem salvador. Vamos colocar o problema do
filme de duas maneiras. Por um lado, assistiremos a impressão, lidaremos com a
aparência de uma ficção científica, colorida pela brilhante atuação de Bruce
Willis, e neste caso a pergunta é “qual é a realidade, viajante do tempo ou
esquizofrenia?”. E, quanto a este primeiro aspecto, a ficção está em nossa
própria dificuldade duvidosa para o real do problema. Por outro lado, temos
outra pergunta, “qual é a realidade, somos viajantes do tempo ou vivemos mútua
esquizofrenia?”. E o sintoma neste caso é a experiência do humano cansado de
ser em si. Sim, as duas perguntas são iguais, salvo o sujeito, e esta diferença
é o primeiro problema, aquele que o drama do roteirista permite compreender.
Mas as dúvidas rodadas no filme admitem um segundo lado na historia: a
democracia termina no seu fracasso ambiental? O liberalismo econômico é capaz
de solucionar o problema ambiental iniciado pela democracia? Ou o liberalismo
econômico nos tornaria socialmente esquizofrênicos para com nosso tempo? É
fácil sentir o cheiro pesado deste ar: a questão não mais se coloca nem se
responde entre natureza e sociedade. Afinal, o dinheiro hoje compra felicidade
na mesma medida em que mesmo o pobre sente ter o poder de comprar quase tudo.
Vamos recolocar a questão mais uma vez: a essência da democracia está na
participação política de cada um. Isto somente é possível através do voto. Ou: a
essência da democracia está na participação econômica de cada um e isto só é
possível através da demanda e do poder de compra. Como democratas, precisamos
votar sobre nossos problemas ambientais e sustentáveis. Mas isto é impossível? Os 12 Macacos afirma: de um lado a
demanda de jovens socialmente engajados com o respeito aos animais; de outro
lado, a ciência economicamente motivada lucrando em produzir e curar vírus. Mas
ambos os caminhos, apesar de opostos, possuem o mesmo sentido: dizem “não” ao
valor unilateral do homem. O alcance dos problemas ambientais é internacional
e, portanto, o povo jamais poderá participar política e intelectualmente de
tais soluções. Por isso, nossa situação presente, o peso de nosso futuro, se
divide em três soluções: fundar a democracia no liberalismo econômico e não político,
dando ao livre valor comercial o poder de adaptar o interesse sustentável de
cada um; ou substituir a democracia pelo socialismo, o que só é possível
absolvendo tanto o capitalismo quanto o naturalismo no interior do
neo-marxismo; ou, enfim, reconhecer que o poder sobre o destino é
aristocrático, exigência de mudança de regime político, o que implica o risco
de terrorismo ou mais um tipo de totalitarismo.
Assim, a pergunta é esta: do que Terry
Gilliam está tratando em Os 12 Macacos?
Jovens ambientalistas, guiados por um louco, inspirados pela sabotagem, ou de
uma ciência racionalista, tão louca quanto apesar de fria. De um grupo de
jovens ambientalistas surge a ambigüidade entre ecotagem e ecoterrorismo. O
filme parece “chamar” a ecotagem de ingênua e o ecoterrorismo de radical.
Porém, Terry Gilliam também indica que os meios mais catastróficos para o
exercício do ecoterrorismo sempre se origina na empresa privada. Hobbes diria
que o povo nasce de uma segunda natureza: mas o político atual é mais povo do
que nunca e o empresário atual sente-se fora da população geográfica.
Obviamente que não estamos falando de produção de gado em massa, nem de
computadores e celulares, mas de armas químicas que, apesar de matarem muitos,
também a muitos podem enriquecer com o surgimento de curas, verdadeiros
milagres da ciência bem patrocinada. E nada disto diz respeito à intenção ou má
vontade: estamos no tempo da liberdade dos interesses, na livre movimentação
das demandas. O que fazer? – a questão do filme se relevou intrínseca, pois o
único valor intrínseco é a urgência temporal da ação. Mesmo a vida é inerente à
urgência – salve os médicos. Não há democracia sustentável nem voto e
representação direta ambiental, nem há garantias para mais uma tentativa
socialista, e a ecotagem somente assume “entre os males, o menos pior”. Estamos
de fato aquém de bem e mal, seja para o liberalismo econômico, para a
democracia internacional, para o socialismo ambiental ou para o radicalismo.
Quem vale mais – o homem ou o macaco? O futuro é questão de evolução,
revolução, progresso ou destruição. Acaso consideremos todas as perspectivas, o
roteiro do filme assemelha-se a nossa realidade: não jogos de linguagem, mas
efetivos jogos de risco. A questão é se há responsabilidade nos riscos.
Fernando Mauricio Senna
Gostei muito do seu ponto de vista.
ResponderExcluirgenial
ResponderExcluirQual o sinto do virus
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