Flávio Zimmermann
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Discutir crenças religiosas
é um tabu em muitas sociedades, inclusive a brasileira. Em muitas ocasiões,
discutir futebol e política também, como diz o ditado popular. Não sei qual a
razão disso, mas me arrisco a crer que essas questões geralmente são evitadas pela
maioria das pessoas por fazerem parte do que elas julgam ser um conjunto de
suas crenças fundamentais que dificilmente podem ser modificadas. Talvez seja
exagero considerar a preferência por um time de futebol uma crença, digamos,
estrutural (a não ser quando nos referimos a torcedores fanáticos), mas no caso
da crença em Deus isso parece ficar mais claro. Seja como for, penso que uma
crença que não possa ser debatida nem colocada em dúvida, na verdade não é uma
crença bem fundamentada, pois, se fosse, não teria porque ter medo de refletir
sobre si mesma. É importante observar que os extremos – o teísmo e o ateísmo –
entendendo por isso como a crença total ou a descrença completa na existência
de qualquer Deus, não faz muito sentido para quem se ocupa desses temas. Às
vezes as pessoas costumam tomar determinados conceitos teóricos e adotá-los
para si de modo exato, petrificado. Em política, por exemplo, é muito comum
falar de socialismo x liberalismo, mesmo sem jamais ter encontrado qualquer
nação socialista ou liberal no planeta. Em religião, da mesma forma, há os que
se consideram teístas ou ateus de modo inflexível. Mas, pergunto, como alguém
poderia firmar tão bem suas crenças na existência ou não de Deus? O filósofo
Denis Diderot, ao se deparar com a pergunta referente à existência de ateus
verdadeiros, devolve a questão ao seu interlocutor, respondendo: “e você
acredita que exista algum cristão verdadeiro?”.
José Viera, Duda pendiente (Dúvida pendente), 1998, óleo sobre tela
fonte: http://pintura.aut.org/SearchProducto?Produnum=82251 (Ciudad de la pintura
Na verdade, penso, o que
existem são graus de teísmo e ateísmo: temos razões para crer ou não na
existência de Deus, e essas razões podem oscilar em determinados momentos de
nossas investigações. Ou, mesmo que tenhamos fixado determinados argumentos
favoráveis ou desfavoráveis a esse assunto, os mesmos nos convencem apenas da
razoabilidade da existência ou inexistência de um Ser Supremo. Aquele que
acredita ter encontrado argumentos definitivos para um assunto tão misterioso e
incerto, ou é ignorante (no sentido de ignorar o estado da controvérsia) – e
certamente continuará assim enquanto não busca por mecanismos para fortalecer
as suas crenças – ou pode se tornar um fanático religioso, por não se permitir
a ouvir argumentos contrários. Acontece o mesmo em filosofia: se julgarmos ter
encontrado a verdade, simplesmente não daremos ouvido às outras visões de mundo
e permaneceremos fechados às nossas próprias crendices. É por isso que falamos
em ter opiniões, quando se trata de adotar uma visão de universo, e fé em
matéria de religião. A fé é oposta à certeza. Verdade é o que pode ser
demonstrado de modo objetivo a todos os seres humanos; o resto é chamado de
crença. A fé, portanto, longe de espelhar certezas e dogmas, vem sempre
carregada de incertezas e dúvidas. Como diz Miguel de Unamuno, “Uma fé que não duvida,
é uma fé morta”.
Flávio Zimmermann é doutor em filosofia pela USP e professor no curso de filosofia da UFFS.
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